quarta-feira, julho 17, 2013

Sobre era glacial e papo-calcinha

Homens não conversam sobre seus problemas. Discorda de mim? De mim?! Não, não de mim. Quem falou isso foi o Manny, em Era do Gelo III, quando sua mulher o manda ir conversar com seu amigo felino. Isso mesmo, palavras dele, ele foi taxativo e ainda falou mais: homens só se dão aquele soquinho valeu-champs no ombro, e que isso, estúpido só para as mulheres, equivale a seis meses de terapia. Você pode achar que não é verdade, mas quando uma criatura muito mais velha do que eu, você e até do que o Niemeyer diz alguma coisa, é quase científico. Então Manny tem total razão, já sabemos, seis meses de terapia. Mas eu ainda posso ao menos achar que se trata de uma terapia ruim, daquelas que seu psicólogo combina um bigode descolorido com um coletinho por baixo do terno só para parecer mais confiável enquanto faz rabiscos no papel ao som de você com seus problemas.
Curioso é que estou tentado escrever este post há meses, talvez há mais tempo do que um ano, já. Só este parágrafo aí acima está pronto há mais de uma estação. Eu tenho um processo curioso na minha escrita. Vou engolindo idéias, repensando, reavaliando um monte de coisa, testando coisas que nem são teorias, até que em algum momento, depois de uma longa gestação, nasce algum troço aí com serifas e vírgulas, sempre muitas vírgulas. Com este aqui não foi muito diferente, mas preciso dizer que desta vez, fiquei grávida por muito tempo; e posso dizer que estou em trabalho de parto há mais horas do que o costume. Você, aí do outro ladinho do espelho, pode se perguntar o que há de tão difícil em escrever sobre isso. E eu diria que a sua resposta, por si só, é difícil de dar. Às vezes o texto simplesmente não sai, ainda não encontrou caminho pelo labirinto dos meus dedos, às vezes as teclas do computador são indóceis e se recusam à ordem, fazem as do piano parecerem crianças japonesas indo num passeio de escola. Outras vezes tem um fator intuição, sexto sentido, sensor-aranha, parece que eu estava esperando alguma coisa nova, algum evento inusitado, alguma leitura inesperada aparecer antes que um ponto final fosse dado. E acho que o caso agora vem a ser cada uma dessas possibilidades. Ontem, li isso aqui. O mamute não só acertou como foi endossado pelas práticas modernas. É tipo um Confúcio com marfim e material publicitário.
O que eu venho tentando dizer é que homens vão falar de política, futebol, F1, UFC, carros, sistemas operacionais, cervejas, música, suplementação esportiva, defeitos de suas companheiras, viagens, restaurantes, baladas, ferramentas, cualqué parada, e não necessariamente nesta ordem, mas não vão falar como se sentem, como se sentiram, não importa sobre o que seja. E isto é algo diametralmente oposto nas amizades entre mulheres. Começamos sempre com um "e aí, como você tá? que você conta? como foi lá, gostou? e ele ligou? e o trabalho? clima melhor? e você tá aguentando bem tudo isso?"; e existe uma mágica aí, a amiga vai falar, e a outra amiga vai ouvir, e vai dar apoio, e vai ser compreensiva, e vai se alegrar com a alegria da outra, bem como se entristecer com a mágoa que a outra sofre, e oferecer uma palavra, um alento, para mostrar que nem tudo está perdido, para dar coragem, ânimo ou só um bom abraço.  E pra mim eis o que há de mais bonito.
Em geral, homens se transformam em amigos muito fácil, compartilham alguns gostos, algumas atividades e a amizade se estabelece. Mulheres, por outro lado, demoram um pouco mais, se sentem, como um terreno completamente novo sob a penumbra, se compreendem, e progressivamente vão desnudando suas almas uma à outra, até que a amizade vira um terreno sedimentado, firme, onde sabem exatamente o que podem construir e plantar. Meu pai teria boas metáforas para colocar aqui. Eu lembro de uma fala em O tigre e o dragão em que uma conta a outra um ponto delicadíssimo de sua história, e uma delas fala "agora que compartilhamos nossas histórias, somos irmãs".
Recentemente os homens têm descoberto o caminho para o psicólogo, como forma de buscar auxílio em seus problemas; conheço alguns que a mera idéia de ligar para um terapeuta era mais assustadora do que cair na malha fina da Receita. Mulheres, por outro lado, são mais acostumadas com a possibilidade de psicoterapia, afinal sempre fazem isso com suas amigas, chegam lá, sentam e falam tudo. Ter alguém com mais formação e experiência nisso chega a parecer sedutor.
O que me chamou atenção no texto (se alguém passou reto pelo link acima pode achá-lo aqui de novo) é o fato de um profissional da área - um homem - falar desta questão e ainda conseguir delinear muito bem o que ele vem testemunhando. E isto acontece como resultado deste isolamento que homens passam socialmente. Esta solidão que o texto diz, ao meu ver, vem do fato de homens não serem encorajados e não encontrarem espaço para nomear o que os incomoda ou o que querem de verdade. Quando eu digo de verdade, me refiro aos caminhos, não aos resultados. Família, sucesso e conta bancária gorda são fins; o caminho para chegar até eles, no entanto, pode ser muito variado. Pode ser um casamento feliz ou uma relação desequilibrada e disfuncional; um trabalho desafiador e estimulante ou apenas uma sucessão de forças das correntezas sem que se termine onde gostaria de verdade. Hoje temos mais opções do que nunca, e até mesmo uma sociedade que começa a considerar melhor este universo e não mais taxar tudo isso como desvio de conduta. Lembram que havia uma época em que ser desquitado era vergonhoso ou que era melhor ter uma filha na zona do que no palco?
O senso comum adora dizer que mulheres não sabem o que querem enquanto homens sabem muito bem. Será mesmo? Ou será que mulheres vêm progressivamente se libertando de papéis tradicionais - e aí, consequentemente, se expondo mais a dúvidas e incertezas - enquanto os homens ainda oferecem mais resistência? O texto do Frederico Mattos me chama atenção não simplesmente por estar bem escrito e embasado, mas também porque eu vi tudo isso. Cada homem que entrou na minha vida, nas mais variadas funções e relações, demonstrou este engessamento dentro de papéis tradicionais e cerceadores, e todos sofriam com isso, em maior ou em menor grau. Vejo, em geral um medo abissal de falar o que realmente os incomoda; o que reflete - ou gera? - uma falta de auto-honestidade, uma incapacidade de assumir para si mesmo de que algo vai mal; uma dificuldade imensa de encarar que algo não vai bem, que tem um nó, simples ou complexo. E aí, empurrando esta poeira toda pra baixo do tapete, o terreno vai ficando acidentado, quando tudo era para estar bem. E este "era para" sufoca e arde.
Também, sobre nós, moças, ainda incide esta sombra de culturas mais tradicionais. Ouso até dizer que em alguns momentos, isto pode ser mais nocivo para nós do que para eles, mas vamos criando nossa rede de apoio, nossos mecanismos de ajuda, nossos movimentos de libertação, vamos aprendendo a reclamar. E vejo como isto se refere à minha última postagem; será que homens são tão passíveis como as mulheres de procurar ajuda para um comportamento que está gerando problemas ou preferem simplesmente mascarar isto como algo normal e cotidiano?
Mulheres falam mais, se abrem mais, trocam informações e perspectivas, e assim conseguem ampliar sua percepção de si e do mundo; terminam assim tirando seus medos do armário e vendo o quanto não passam de uma sombra feita pelo poste da rua. Ou não, às vezes o monstro do armário era um baratão voador, seis patas, duas antenas e muita má fé. Mas até pra isso tem solução, chinelo, inseticida, dedetiação.
E se alguém me perguntar, é exatamente por limparmos nossos armários cotidianamente que sofremos menos do coração, de estresse e vivemos mais.



Através deste texto, quero declarar meu amor às minhas amigas, e dizer que sem a amizade delas tudo seria mais difícil, tanto minhas derrotas quanto meus sucessos.  


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