sexta-feira, março 16, 2007

Assim falava Zaratustra:

Foge, meu amigo, para a sua solidão! Vejo-o aturdido pelo bulício dos grandes homens e crivado pelos ferrões dos pequenos.
Dignamente sabem calar-se para você os bosques e os penedos. Assemelha-se de novo à sua árvore querida, a árvore de espessa ramagem que ouve silenciosa, pendida para o mar.
Onde cessa a solidão começa a praça pública, onde começa a praça pública começa também o buliço dos grandes cômicos e o zumbido das moscas venenosas.
Foge, meu amigo, para a solidão; vejo-o aqui preso por moscas venenosas.
Foge para onde sopre um vento rijo.
Foge para a sua solidão. Viverá próximo demais dos pequenos mesquinhos. Foge da sua vingança invisível! Para você não mais que vingança.
Não levante mais o braço contra eles!
São inumeráveis, e o seu destino não é ser enxota-moscas!
São inumeráveis esses pequeninos e mesquinhos; e soberbos edifícios foram destruídos por gotas de chuva e ervas ruins.
Você não é uma pedra, mas já fenderam-no gotas incontáveis. Infinitas gotas continuarão a fendê-lo e a fragmentá-lo.
Vejo-o exausto das moscas venenosas, vejo-o arranhado e ensangüentado, e o seu orgulho nem uma única vez se quer encolerizar-se.
Elas desejariam o seu sangue com a maior inocência; as suas almas enfermiças reclamam sangue e picam com a maior ingenuidade.
Porém você, que é profundo, sentia profundamente até as pequenas feridas, e antes da cura já passeava outra vez pela sua mão o mesmo inseto venenoso.
Parece-me orgulhoso demais para liquidar esses comilões; porém observe, não venha a ser seu destino suportar toda a sua venenosa injustiça!
Também zumbem ao seu redor com os seus louvores. Importunidades: eis os seus louvores. Querem aproximar-se da sua pele e do seu sangue.
Adulam-no como um deus ou um diabo! Choramingam diante de você como de um deus ou de um diabo. Que importa?
São bajuladores e choramingas, nada mais.
Também acontece tornarem-se amáveis com você; mas foi sempre esse o ardil dos covardes. É verdade; os covardes são astutos!
Pensam muito em você com a alma mesquinha. Suspeitam sempre de você. Tudo o que dá muito que pensar se torna suspeito.
Castigam-no pelas suas virtudes todas.
Só perdoam verdadeiramente os seus erros.
Como é generoso e justo, diz: “Não têm culpa da pequenez da sua existência”. Mas a sua alma acanhada pensa: “Toda grande existência é culpada”.
Mesmo que seja generoso com eles, ainda se consideram desprezados por você e pagam o seu benefício com ações disfarçadas.
O seu mudo orgulho sempre os contraria e amotinam-se quando acerta em ser bastante modesto para ser orgulhoso.
O que reconhecemos num homem infamamos-lhe também nele. Livre-se, portanto, dos pequenos.
Na sua presença sentem-se pequenos, e sua baixeza arde em invisível vingança contra você.
Não observou como costumávamos emudecer quando se aproximava deles, e como as forças os abandonavam tal como a fumaça que se extingue?
Sim, meu amigo; você é a consciência roedora dos seus próximos, porque não são dignos de você. Por isso odeiam-no e queriam sugar-lhe o sangue.
Os seus próximos hão de ser sempre moscas venenosas. E o que é grande em você deve necessariamente torná-los mais venenosos e mais semelhantes às moscas.
Fuja, meu amigo, para a sua solidão, para além onde sopre vento rijo e forte. Não é destino seu ser “enxota-moscas”.

2 comentários:

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

Pois é, minha querida. Um dia desses, você vai voltar a ler esta transcrição, vai reler os posts desses dias que passaram e vai entendê-los ainda mais profundamente. Pobre de você. Pobre de mim que sei do que falo.