quarta-feira, novembro 19, 2008

Espalhando o Mal

Passou pela roleta fazendo estalar sua corrente presa ao cós da calça. Lançou seus olhos enegrecidos ao fundo do coletivo, procurando lugar. Viu três bancos ao fundo, completamente vagos. Dirigiu-se para eles, com seus passos de pesados coturnos. Jogou-se no assento, como suas roupas pretas e calças gastas diziam-lhe para fazer; sempre com cara de enfezado. Isolou-se em seu mundo com qualquer coisa que tocava em seu MP3 player.
Outra parada, mais passageiros, incluindo uma mulher com seu filho. Não era de colo, mas, de alguma forma, parecia que a mãe acreditava que caminhar era algo perigoso demais para o seu precioso rebento.
Sentou-se no banco à frente àquela figura obscura, acomodando a criança no colo.
E o menino começou a batucar no vidro da janela, cada vez com mais força. A mãe se mantinha impassível.
Quando o pequeno notou que bater no vidro não ficaria nem um pouco mais divertido, resolveu pular e agitar os braços. A mãe se mantinha impassível, exceto pelas pálpebras que se estreitavam, caso o filho acertasse um dos dedos em seus olhos.
Então o menino seguiu ao próximo passo, começar a gritar. A mãe, bom, vocês sabem.
O rapaz em calçados militares começava, então, a ter um verdadeiro sentido por aquela expressão que nunca abandonava seus rosto. Tentando se distrair, fez o fones berrarem ainda mais em seu ouvido. Enfiou a mão na mochila jeans e puxou um pacote de biscoito recheado, enriquecido com vitaminas; havia até um passatempo na caixa. A embalagem colorida com bichinhos destoava completamente daquele conjunto. Pôs-se a comer.
Atraído pelas cores, a criança esticou o pescoço por sobre os ombros da mãe enquanto pisava firme em suas coxas, conferindo de que era daquele mesmo que gostava. Esticou o dedo e grunhiu, num código que a moça já conhecia. Ela girou o pescoço, olhou para as mãos do rapaz e deu um sorriso amarelo. Ele não.
— Pode dar um desses ao meu filho?
— Por quê?
— Porque ele gosta muito desse biscoito.
O rapaz deu uma expiração baixa, num claro sinal de enfado, mas nem o ronco do motor do ônibus nem a agitação crescente do menino permitiram que fosse ouvido.
— Olha, eu acho melhor você dar um para ele, sabe? — Ela riu de modo desajeitado, querendo fazer com que sua ordem soasse simpática.
Ele então empurrou mais dois biscoitos para sua mão e estendeu a embalagem o menino, sorrindo gentilmente.
— Não se esqueça de jogar no lixo depois — ele recomendou.
As pequenas mãos ávidas correram à sua conquista. Foi então que notou que a embalagem estava vazia.
Mãe e filho se encararam abismados antes de olhar para trás. E a próxima coisa que viram foram o corpo inclinado à frente, olhos enegrecidos sorrindo, e o rapaz levando à boca os dois remanescentes, cada um com uma mão.
Enquanto a criança tomava fôlego, ia se tornando mais vermelha. Quando já havia inspirado todo o ar que podia, abriu o berreiro num choro contínuo e público, abafando o ronco de um motor a diesel. A figura negra levantou-se, puxou a cordinha e desceu logo em seguida, deliciando-se em ouvir um pouco daquele choro ainda da calçada.

Um comentário:

Gabriel Cruz disse...

O Story Board ta pronto! Quando começamos a filmar?????