domingo, dezembro 21, 2008

Janela indiscreta - parte IV

Uma janela se acendeu, e logo em seguida uma figura cruzou uma sala de estar lançando descuidadamente sacolas em cima do sofá; sumiu e voltou a aparecer na cozinha, onde abriu a geladeira, tirando uma garrafa de água gelada para beber aos fartos goles encostada na pia.
E na margem oposta, alguém se empertigou numa poltrona pretensiosa e roçou o dedo sobre o play:

Tornou a quantidade correta de vinho no cálice para então girá-lo no ar, mas fez isso no automático, hábito velho, sem nem ao menos conferir sua cor contra a parca luz que vinha da rua; seus olhos estavam longe dali.
Ainda aparada pela pia, fez festinha para o pequeno maltês bem tratado que veio ao seu encontro. Enquanto desabotoava a blusa, cruzou de novo a sala, desta vez em direção o quarto, e entrou direto no banheiro. Lá demorou por algum tempo, e o espião considerou aquilo uma tortura gentil, que, ao seu final, teve como recompensa a visão de outra daquelas boxer, dessa vez preta, como uma tarja de censura, e uma blusa de alcinha. Agradeceu à potência do seu zoom por ser capaz de fazer chegar a ele, do outro lado da rua, todo o frescor que aquele banho havia concedido.
Retornou à cozinha, e voltou saltitando ao quarto com as sacolas na mão esquerda, uma garrafinha de ice na mão direita e o animalzinho aos seus pés compartilhando da sua alegria.
Jogou-as sobre a cama e foi abrindo as caixas, estendendo seus novos pertences sobre o lençol.
— Que bom que foi um dia de boas compras para nós dois — ela teria ouvido não fosse a distancia.
Então, sorvendo aos golinhos a sua bebida, entre um giro e outro frente ao espelho com as mãos mantendo o vestido junto ao seu corpo, olhava para o seu mascote e fazia com que abanasse o rabinho.
— Quadrúpede de sorte.
Desfilou pelo quarto no alto dos sapatos novos, parando de vez em quando para ver como ficavam no pé, fazendo poses, sorrindo com seu reflexo.
— Vestido para quê, está linda assim!
Extraiu toda a potência das suas lentes, conferiu-a de cima à baixo, deteve-se na sua coxas, admirando os pequenos furinhos de suas pernas, as dobrinhas suculentas que sua barriga fazia e as curvas que não se via em revistas.
Depois de ter guardado tudo da festa no quarto, ela se sentou frente à TV na sala, com o pequeno companheiro no colo, saboreando um cacho de uvas e algum filme desses feitos para mulheres. Entre um afago e outro naquele sedoso pêlo branco, viu-a recorrer algumas vezes à caixa de lenço de papel que ficava ao lado do telefone. E lá ela caiu no sono.
E ele se manteve ali, até a hora em que a TV pré-programa desligou e não havia mais luz para lhe servir de cúmplice.

Nenhum comentário: