terça-feira, setembro 08, 2009

Mil novecentos e dois mil e nove

Eu lembro da primeira vez em que li 1984, clássico do George Orwell (para quem não leu, pode ver o filme, é uma boa adaptação). Um amigo me recomendou o livro, falando muito bem sobre a obra. E foi nessa época que comecei minha relação de amor e dependência com os sebos. Havia um dos bons bem na frente da escola de música na qual estudava na época, achei lá jóias como os 3 primeiros exemplares de Conan-Rei, em ótimo estado. O simpático senhor que tocava os negócios com o filho ficou meu amigo, até aprendeu o que eu gostava e chegava a me recomendar boas coisas. Dele comprei o exemplar que não soltei até virar a última página. Foram alguns dias de quase que absoluto isolamento no colégio, participação nula nas aulas e dores no pescoço.
Então a minha professora de Literatura, Rita, gostava muito dela (assim como gostei muito de outras professoras que tive da mesma disciplina, mas sempre desenvolvi relações problemáticas com os de inglês), me vendo encasulada já na segunda aula consecutiva, parou diante da minha carteira e perguntou:
— Que você tá lendo, hein? — E mostrei-lhe a capa. — Ah, hm... gosto mais da Revolução dos Bichos.
— Ainda não li.
— Procura ler depois, acho melhor. Para mim este é propaganda anti-comunista demais.
Eu era adolescente, minha percepção e senso crítico sobre o mundo estavam se formando, havia ainda muito pouca bagagem para questionar qualquer tipo de informação. Mas ainda assim, eu respondi:
— Acho que o tiro saiu um pouco pela culatra, Rita. — Ela só levantou as sobrancelhas, querendo saber o que a aborrecente metaleirazinha e estranha com a qual ela tinha tinha simpatia ia dizer. — Não me parece que estamos assim tão afastados, tão opostos a esta sociedade que o autor fala, sabe? Todos temos uma tele-tela em casa, inclusive tem gente que pára diante delas para fazer ginástica, a diferença é que ela ainda não te chama pelo nome. Realmente eu sinto que haja um esforço para tolir nosso raciocínio, nossa inteligência; afinal, eu venho à escola para estudar um modelo de átomo que foi derrubado no século passado (isso foi em 1999). E, sério, vai me dizer que essas canções que os proletários ficam cantando não são letra de pagode?
Ela riu, não de escárnio, mas aquelas risadas quase mudas que significam que você tocou em algum ponto interessante e que seu ouvinte concorda com você.
E hoje, vendo pessoas crerem que ficar online dias inteiros é uma necessidade real, pensar em como estamos voluntariamente abrindo mão da nossa privacidade e, mais ainda, como facilmente abandonamos aquilo que cremos e sabemos porque existe um esforço da mídia para nos incutir medo e fobias, me pergunto quão sério eu podia estar falando quando mal via a ponta do iceberg naqueles anos idos.
Para os que não conhecem, vale conferir no Youtube os trechos do filme. E, antes que mudemos de assunto, aproveitem e assistam esse aqui, dica da Lululu.

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