domingo, novembro 02, 2008

Janela indiscreta - parte II

— Fala, artista!
— Fala, diretor! Não tá ligando para desmarcar o poker da semana que vem porque abriu falência, né?
— Não, relaxa. Aquilo é muito dinheiro para você, para mim não.
— Opa, formou então, poker duas vezes por semana.
— Ah, tudo para vocês secarem meu uísque.
— Deixa dar mais umas semanas que eu já vou poder levar as garrafas.
Riram.
— Seguinte: queria sua ajuda, cara.
— Manda.
— Tô querendo comprar umas lentes, uma câmera legal.
— Ah, é?!
— Hobby, sabe?
— Boto fé.
— Aquele seu equipamento de ontem, sabe?, queria um daquele.
— Mas você ainda vai começar. Não quer algo mais simples?
— Tem que ter aquela potência.
— Que tipo de fotografia quer?
— Ah, sei lá. Qualquer coisa. Natureza, pronto.
— Lógico. E você vai se meter em mato, com sol na cabeça e mosquito? Você odeia suar, cara. O único esporte que faz é apanhar do Goku com o seu Playstation. Tirar foto de natureza para você é esperar quando o tigre passa no National Geographic enquanto você come batata no sofá.
— Tá, então não tiro foto de natureza. Arquitetura, pronto.
— Cansei. Qual é do lance?
— Quero uma máquina, cara.
— Sim, verdade. Mas para quê?
— Hobby, cacete!
— Ainda que você fosse bom mentiroso, a gente é parceiro há 20 anos.
— Só queria uma lente como aquela sua. Gostei.
— E quer ver o quê?
Essa resposta não veio tão depressa:
— Ah, achei legal ontem ficar vendo...
— Aquela sua vizinha gostosa! — completou claramente alterado.
— Não!
— Tu sempre mentiu mal!
— Porra, não!
— Vinte anos, cara, quem diria, você se tornaria um voyeur?
— Pára, sério.
— Masoquista eu teria chutado, ficar sendo dominado por mulher gorda em botão de couro.
— Pára, cara!
— Gay nem pensar, você é quadrado demais para isso. Voyeur, nunca...
— Esquece, liguei para a pessoa errada.
— Ah, chega de drama! Quer minha ajuda eu te dou, tu sabe. Mas você não me engana, filho. O Goku sempre te dá coça, mas no poker não é dos piores. E ontem perdeu feio demais. Quase precisei de pé-de-cabra para te tirar daquela janela. Saquei que alguma coisa tinha te acertado ali.
Silêncio.
— Te encontro aí no Centro. Preciso mesmo buscar umas coisas. Aí na sua rua mesmo.
— Muito obrigado.
— De nada, voyeur.

2 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
xistosa, josé torres disse...

Parece-me que são duas faces, como numa moeda.
Uma é difícil de decifrar, (eu não conheço as moedas brasileiras), só com lente, aliás como todos os cabelos negros ..., outra é mais vulgar , nota-se o seu valor, sem necessidade da lente.
Essa é a face dos perdedores, que só vêem números, (dinheiro).
Os outros conseguem descobrir um mundo fascinante, quer pela lente, quer a "olho nu", (sem necessidade de artificialismos) ... estes são e serão sempre os vencedores, não "voyeures".

(Não tenho aparecido, os blogs tornaram-me escravo da escrita e tenho ainda algum trabalho, apesar da crise ...
Vou tentar ser mais assíduo.)

Um abração "daqui" !!!