quinta-feira, outubro 15, 2009

Ars magna lucis est

Ôstro dia fui ao cinema para ver mais uma das montagens das óperas do MET. Sempre vale à pena, não só pelo elenco magnifíco ou pelas montagens super atualizadas, mas também porque lá eles conseguem levar coisas que fujam do lugar-comum, como por exemplo foi Dr. Atomic, de John Adams, que estreiou em 2005 e fala de um dos momentos mais cruciais na nossa história: a criação da bomba atômica. Uma coisa que os próprios cientistas envolvidos sabiam se confirmou duramente: o mundo em diante não foi mais o mesmo. Foi um grande divisor de águas em todos os setores da humanidade, políticas internas e externas, relações internacionais, ciência e até mesmo na arte. Se o Modernismo trouxe o discurso do rompimento, a bomba nuclear ratificou este desejo. Os artistas que se seguiram não queriam mais repetir os padrões vigentes, já que tais padrões representavam a mais cruel destruição e desumanidade. E isto me lembra que arte não é só memória, como bem já falavam os gregos que contavam como as musas inspiradoras eram filha da deusa da memória, Mnemósine; arte é o mecanismo que proporciona nós olharmos para as coisas com distanciamento e assim podermos ver de outro ângulo a realidade que nos cerca. Não à toa era comum que os césares tivessem sempre um ator por perto.
Dando continuidade à discussão que comecei outro dia e deu pano para manga (Chato-pai não concordou com nada do que disse), teve então um episódio: numa das vezes que fui, havia sete pessoas no cinema. Na mesma fileira que eu estava, havia uma senhora sozinha. Durante a exibição, ela estava comendo alguma coisa de um saquinho plástico e quando ela pegava o lancinho, dava um barulhinho. Barulhinho, gente, nada de mais, ela estava até sendo delicada com o saquinho (não pensem besteira). Até que no meio da música, gritou uma outra lá do fundo:
— Vai comer a ópera inteira!?
Eu não esperei e deu um shhhh bem longo para ela na hora. No intervalo até conversei com a senhora comilona, disse que era um absurdo alguém se sentir no direito de gritar no meio do cinema daquele jeito por tão pouco. Eu que estava do lado não me incomodei tanto, e ainda que estivesse incomodando, não justificava um arroubo daqueles. A dona comilona falou que passou reto, se tava fazendo tanto barulho assim, não notou porque estava extremamente absorta e embevecida pela música. Ela foi simpática, foi até delicada o suficiente para fechar o saquinho dela e não comer mais para não expor os outros àquilo.
Antes do retorno da exibição, houve então uma discussão no meio da sala. A grossa da outra disse que aquilo era um absurdo, chamou a outra de "fome zero" e ainda disse que aquilo era música, grosseria ficar ali comendo.
Ai ai, se tem uma coisa que odeio é gente que acha que arte existe para sermos limpinhos, sabem o tipo? São capazes de ir a um concerto, dizer que o maestro não fez a cisura do compasso 366.2 para o 366.3 e que bom mesmo é a gravação que o sujeito tem em casa. Ora bolas, se você se dá ao trabalho de ir até um espetáculo, seja qual for, vá aberto à experiência da fruição. Afinal, ninguém vai a um museu para ficar vendo as tintas da parede ao invés das pinturas em tela (e não me venham com ressalvas para museus de arte moderna ou instalações, vocês entederam onde quero chegar).
E aí está a moral da história, enquanto a outra que não teve arroubo nenhum foi capaz de vivenciar o verdadeiro sentido da arte, que é esta comoção, a outra, que tanto defendeu e até militou pela suposta causa, só soube estar lá para regular os outros e querer aparecer mais que a música.

Um comentário:

lulu! disse...

emocionei...