terça-feira, janeiro 19, 2010

Dias de sorrisos, o retorno.

Quando a notícia do final da guerra chegou, a alegria não foi completa. Havia mais de dois meses que não tinham a menor notícia de Olavo. Se o peso dos dias de uma guerra infinita já era insustentável, o manto negro desceu por completo sobre os olhos de Ritinha, a esposa, e Wilma, a irmã, quando foram visitar Túlio, que havia voltado para casa devido a um ferimento em combate.
Entre um gole no cafezinho fresco e uma cavaca com goiabada, ele contou o pouco que sabiam do ocorrido.
— Os alemães descobriram um dos postos de comunicação. Os feridos pela granada foram executados no próprio local; os que estavam sãos foram levados como prisioneiros. E daí imaginamos que a caminhada não tenha sido leve. Mas a esta altura, é muito provavel que todos tenham sido torturados até a morte em busca de informações. — Foi então que deu-se conta de que não conversava com um dos oficiais, treinado para este tipo de situação. Eram mulheres, civís, a família do bravo soldado. — Sinto muito.
Com um contido aceno de cabeça, Ritinha levantou-se após apoiar a xícara vazia na mesa ao lado e saiu, sem dar uma palavra. Wilma, por sua vez, apenas foi capaz de olhar nos olhos de seu mensageiro com uma melancolia cortante antes de seguir a cunhada.
Andaram pela rua, uma apoiada nos braços da outra, sem se dar conta das crianças jogando bola na rua ou dos entregadores que passavam em sua bicicleta.
Com a guerra já finda, toda a felicidade e excitação das pessoas não cruzava os pequeno gramado frente à casa. Imersas naquela dor foi que descobriram o valor de alguns com quem sempre conviveram. D. Arlete, vizinha da casa à esquerda, toda semana batia à porta das duas para buscar as peças de tricot e crochet que faziam para vender no bazar da igreja, afinal, ela sabia que agora a situação ficaria mais apertada e toda ajuda seria necessária; também não deixava as crianças brincarem de pelotão marchando sob a janela do herói de guerra. E as crianças foram gentis o suficiente para fazê-lo na rua de trás.
Quando souberam da data de retorno dos soldados, a produção dobrou. À noite, quando tudo ficava em silêncio após a transmissão do Repórter Esso, era possível escutar o bater das agulhas frenéticas, e este som se arrastava madrugada adentro. E no dia marcado, não foram ao porto receber os soldados, ficaram em casa, num ato quase monástico, sem dar um pio, sem passar um café, apenas com o som ensurdecedor das agulhas trabalhando. Até que, quase como uma vidraça que se quebra, saltaram de suas poltronas com o bater na porta.
Wilma só se levantou após ter terminado aquela carreira, a última daquela blusa, sem deixar faltar o nó final. Dobrou uma vez o trabalho recém terminado, apoiou no braço no móvel e então pôs-se de pé batendo os fiapos remanescentes em sua roupa. Abriu a porta como quem recebia um intruso, até que levantou os olhos e descobriu que era possível ficar mais em silêncio do que já havia ficado o dia inteiro.
Ritinha olhou por cima dos ombros, irritando-se com aquele intruso que atrapalhava aquela tarde. Levantou-se, incomodada demais para prestar atenção nos fiapos remanescentes em sua roupa e parou ao lado da cunhada, compartilhado o silêncio ainda mais arrebatador.
— Ah, então é aí que as duas estão! Procurei por todo o porto, até subi no poste para tentar achá-las. Lógico que não achei, estavam aqui!
Não houve resposta.
— Não vão dar um abraço em mim? Seria bom.
Como feito por um corpo de balé, as duas levaram a mão direita à boca escancarada, e parece que só depois disso voltaram a respirar.
— Olha, eu sei que fiquei muito tempo longe, mas vocês ainda lembram de mim, né? Eu sei que já passaram alguns anos, mas não posso ter mudado tanto.
Wilma deu um passo atrás, não por medo ou repulsa, mas para procurar uma visão melhor daquela figura. Talvez isto a ajudasse a crer em seus olhos.
— Meninas, sou eu, o mesmo cara da foto em cima da cristaleira. Estou vivo, não sou um fantasma.
Parece que esta declaração surtiu algum efeito, porque Wilma então sorriu até desembocar numa gargalhada de felicidade histérica, e Ritinha se lançou naqueles braços fardados, numa ânsia de querer crer que aquilo era verdade. Era seu marido vivo que batera em sua porta.

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