quinta-feira, outubro 14, 2010

Moderno Testamento

Tem um gafanhoto que ronda minha casa. Gafanhoto mesmo, da classe dos insetos, não to falando de gíria-clichê para discípulo de Kung Fu; bicho grande, com antenas que quase fazem curvas fibonacci, parece um tanque de guerra de filme futurista. Eu não sei se é o mesmo que sempre vejo, que já comeu batatas da cozinha, passeou pelo Thundera II e atacou minhas plantas. Prefiro pensar que sim, caso contrário, estou cercada.
Aliás, é provável que seja o mesmo, porque, já que não penso ser uma grande ofensa beliscar minhas batatas e o Thundera continua ileso, eu não matei a criatura. Vai ver ele pensa que aqui é bem tratado. Fato é que, mesmo se ele tivesse atacado coisas mais nobres, como meu vidro de mostarda, por exemplo, eu não o teria matado. E olha que escondo o vidro de mostarda no fundo da geladeira para não correr o risco de nenhum sirigaito se aventurar nele impunemente. Acontece que eu tenho medo de gafanhotos. Gafanhotos e grilos. Na verdade, não é bem medo, sou corajosa o suficiente para espantá-los com o jornal velho; só morro de medo de matar um deles. Besteira minha, guardada na caixa das coisas que não sei explicar, que fica na prateleira das coisas sobre as quais não tenho menor poder. Começando do mais simples, grilos são simpáticos, verdes. Num discurso ecológico, devemos preservá-los. Os orientais, inclusive, atribuem a ele boa sorte. Como eu acredito em acupuntura, yakisoba e aquela limpeza de pele bárbara que eles fazem com linha, acredito que não estarão errados sobre a sorte, então não mataremos.
Com gafanhotos, por outro lado, o bagulho é outro. Lembram das pragas? Caso não se lembrem, tudo bem, vocês eram muito novos. Mas foi feio! Eram nuvens e mais nuvens, detonando com a colheita e prendendo nos cabelos, porque nem sempre esses bichos têm boa mira.  Os egípicios realmente sofreram com eles, e mais outras 9 pragas.  Me diz, como eu mato um negócio desses? Eu digo para mim mesma que é besteira, que nem mesmo a espécie lembra mais do que eles comeram naquela ocasião, que eram outros tempos, mas eu só consigo fazer a havaiana subir e pairar no ar, não descer como um cavaleiro do apocalipse. (Viram só como o Antigo Testamento não me sai da cabeça?)
O povo egípcio sofreu mesmo com essas criaturas, e olha que foram os egípcios, aquele povo sagaz, que construiu pirâmide, embalsamou gente de queixo muito grande, escrevia com desenhos engraçadinhos e hoje em dia, depois de todo esse tempo, ainda está lá, às margens do Nilo, vendendo souvenir para turista. Não é pouca coisa, não! Acontece que teve aquele lance que eles não foram tão gente boa com os judeus, aí deu nisso. Bastou uma mancadinha para botar tudo a perder. E eu? Quem sou eu para matar um gafanhoto? Eu nunca sacaneei nenhum judeu — porque mais que tenha gente que diga o contrário; por mais que não tenha sacaneado muita gente, de qualquer raça, que adore dizer que eu assim o tenha feito. Isso deve me transformar em algum alvo em potencial. Além disso, eu não tenho metade da sagacidade daquele outro povo, eu não consigo nem fazer um cubo mágico, sou ninguém. Se eu matar um gafanhoto, vai ser o problemas mais fácil que eles já resolveram, nem vai precisar de uma nuvem, basta juntarem uns três em volta de mim que não vou ter menor chance.

2 comentários:

xistosa, josé torres disse...

E para amenizar o ambiente, que tal um espetinho de gafanhoto assado.
Há quem os idalatre, mas eu não posso esquecer que, cerca do ano 1956, vivia eu em Castelo Branco (Portugal), uma "nuvem" desses bichinhos "papou" tudo o que era verde.
Até as folhas de uma vetusta figueira que medrava no quintal.
Pode não acreditar, mas o dia ficou noite!!!
Eram bilhões e bilhões e apesar de haver quem os come, não matam a fome a ninguém, só destroem.
Também não mato gafanhotos, e para tal demonstrar, basta espreitar para o meu quintal onde deve viver uma colónia de esfomeados desses bicho (dos verdes), que não se conseguem distinguir na folhagem.
Vou aprender a comer estes camarões voadores e depois digo se são bons, rsrsrs.

b******@hotmail.com disse...

Precisava disso tudo pra falar que tem um gafanhoto rondando sua casa? Tenho raiva da sua habilidade com as palavras, quem me dera conseguir transformar meus pensamentos num texto assim.. no nível dos seus. É simplesmente fantástico. Parabéns pelo blog. Sou seu fã, não vivo mais sem Casa 101.