sexta-feira, novembro 18, 2011

Excesso de demanda

Quando eu era pré-adolescente (começar um post com este termo deixa tudo mais sério), meu irmão tinha um colega de sala no colégio que chamou para dormir lá em casa. Não pensem besteira, chamar um amigo para dormir na sua casa era realmente isso, são tempos idos, que não voltam mais, naquela época dar doces de Cosme e Damião não tinha nada de errado.
O curioso da história é que começou a ser tão recorrente ele ir dormir lá em casa que minha mãe o chamava de meu filho loiro. Meu-filho-loiro é um amigo que carrego há anos. Isso, carrego, eu acredito que carregamos as pessoas que amamos, tipo aquela música do Milton, que fala que amigo é coisa para se guardar. Sim, eu já notei que ele falou "guardar", e não "carregar", mas é que, somada a esta música, há uma outra idéia de que levamos as pessoas dentro de nós, a marca que deixaram na nossa vida, a companhia que deram, os momentos e gostos que compartilhamos, que por mais que mudemos, ou nos mudemos, que andemos para outros cantos, vivamos outras coisas, percamos o contato cotidiano, as pessoas se mantém dentro de nós, e a carregamos para onde quer que se vá. E isto também é uma forma de nunca perder a presença delas no nosso universo.
Voltando ao filho-loiro carregado, entre idas e vindas da vida, entre ter encontrado com ele num ônibus que saiu do Centro, descobrir que ele é amigo da irmã de uma amiga minha e vários outros episódios, a amizade fica lá, mais preservada que aroma de café em embalagem a vácuo. E agora, ele acabou de sair de uma relação de dois anos. Ele sempre foi invejavelmente organizado e metódico, até mesmo na caligrafia harmoniosa que tem. Para usar suas qualidades a seu favor, ele criou um plano término, o que significa ficar um mês longe das redes sociais que permitem aquela monitorada de longe da vida alheia e de quebra criam aquele espaço virtual e fictício para encontros que ninguém promove ou quer, além do mais, e essa eu acho a melhor parte, ele acionou uma rede de vinte bons amigos (na qual eu estou incluída) que estão sabendo da situação e que concordaram em socorrê-lo e dar colo naqueles momentos em que a gente chega a pensar "ah, nada demais ligar para a pessoa para falar sobre essa bobagem". Só quem sabe o que é isso são as pessoas que já terminaram. A missão começou há pouco tempo, mas conhecendo meu-irmão-loiro, eu acho que tem tudo para dar certo. Falei até mesmo com ele hoje, chamando para um passeio no shopping que preciso fazer. É sério, gente, preciso mesmo, vou lá procurar coisas que preciso, não duvidem. Ele atendeu, feliz em ouvir minha voz, agradeceu o convite mesmo que fosse meio contra-mão para ele, e falou de outros compromissos que já firmou com seus outros 19 alistados. Ele soou bem, pareceu animado, dizendo que na verdade estava adorando a atenção e o zelo que estava recebendo de todos. E isso, para variar, me fez pensar. Pensem comigo. Inúmeras vezes fui acusada de sumir quando entro num relacionamento. Se por um lado não posso refutar por completo esta acusação, por outro, não culpo meus namoros por isso. Acho que isso é causado pela vida, pela falta de horário, pelos compromissos trepados, pela a eterna falta de tempo. Mas isso me leva a um aspecto, do quanto depositamos no nosso parceiro, do quanto esperamos dele tudo aquilo que faltou de outros relacionamentos e relações, do quanto buscamos no namorado aquele amor que escasseou e fez naufragar aquela outra relação, ou ainda da falta de aceitação que sentíamos dos nossos pais, daquela atenção a mais que fora desviada ao nosso irmão, do quanto a nossa adolescência nos dizia o quanto fomos feios ou inadequados, daquela tristeza inóspita que sentimos naquele momento difícil, que, se tivéssemos tido companhia, talvez não teria sido tão difícil assim, do quanto não somos tão amados pelos nossos colegas de escritório ou até mesmo para sanar aquela falta de amor que temos por nós mesmos. E aqui me lembro bem das sábias palavras de Stella Florence, nada passa. Até que um dia, no meio da rua, do bar, da livraria, queremos que aquele alguém que encontramos seja magnânimo e superpoderoso para curar tudo isso, limpar e tratar todas as nossas feridas, remendar todos os buracos que se abriram dentro do nosso ser; mais ainda, é essa pessoa imensa, capaz de fazer o Godzilla correr de medo, tem que validar nossos comportamentos, mostrar que nossos gostos são os melhores, endossar nossas atitudes, crer na nossa lógica perfeita, compartilhar nossa fé, desgostar das mesmas pessoas, engolir as outras que gostamos e aceitar nossa conduta passivamente.  E viver é abrir feridas, cair e ralar o joelho, correr pela trilha  e ser arranhado pela ponta do galho, testar nossas teorias, metamorfosear, ruminar o que passou, mudar de direção e ser questionado. Não há tempo hábil para fechar todos eles, ainda mais com a fome que eles têm por refil, a vontade absurda que há de serem feriadas sempre abertas.
E então eu volto ao meu-irmão-loiro, sentindo que amor, ainda que diferente e sem todos os privilégios, ele consegue de outros, vendo o quanto ele é amado e acolhido, e sobretudo aceito pelos seus amigos e como todos querem vê-lo bem; começa a se afastar de tal forma desse seu luto que chega a  ver, na verdade, que ele é uma festa, com chopps entre amigos, cinemas, churrascos e o telefone tocando o tempo todo com vozes calorosas e interessadas. E aí aquela mensagem máxima que um término nos deixa, de que não somos amados e bons o suficiente, cai por terra.
E então me pergunto como seria o rumo de tudo se o telefone sempre tocasse.

2 comentários:

Thiago disse...

Amada,

Fiquei emocionado com seu post. Demorei um pouco para ler, porque realmente a atenção foi gigante. E saber que sou amado pelos meus amigos, inclusive aqueles de quem me afastei há tanto tempo, prova que amigos são a coisa mais importante e preciosa que existe. Obrigado por ser uma das recrutas nessa missão. Em breve alugo o sofá azul, para que a gente possa apagar as luzes e ficar contando histórias de lobisomens e ETs, enquanto comemos aqueles espetinhos de frango deliciosos que pareciam brotar de algum lugar do condomínio do Itanhagá. Saudades. Beijão!

Thiago disse...

E só pra deixar claro: Thiago, o único e eterno Filho Loiro!! #adoro