quinta-feira, março 08, 2012

Força na peruca!

A gente gosta muito de pensar que vivemos numa sociedade perfeita, ou pelo menos com vocação para isso. Admita, você não escapa a essa regra. A gente chega até mesmo a criar mecanismos na nossa cabeça que só caberiam nesta sociedade onde tudo é luxo, calma e beleza, como por exemplo dizer que vivemos em uma democracia, ainda que o que vemos na vida prática e na mídia seja bem diferente; protestar contra o dia internacional das mulheres ou do orgulho negro, afinal, nossa sociedade é redundante e completamente igualitária, mulheres gozam de igual prestígio na sociedade e negros não lotam os presídios. Mas nosso romantismo não se limita ao nosso tempo, é também retroativo. Com o aumento do número de divórcios e a força que os homossexuais vêm ganhando , sempre tem um corinho do lado direito da sala pra dizer que a família está se perdendo.
Eu lembro quando era criança, minha mãe ficou muito amiga de uma senhorinha com mãos de fada, capaz de fazer palhacinhos em ponto-cruz, quindins de ouro e de escrever bilhetes que mereciam ser enquadrados. Apesar da idade avançada, qualquer um que a visse diria o quanto era bonita, o brilho dos olhos verdes nunca apagaram, o cabelo louro cinza era sempre bem cortado e penteado. Ela tomava conta do marido, um advogado aposentado num estado avançado de Alzheimer, e isso compreendia desde botar a mesa do chá das cinco até administrar impecavelmente a aposentadoria a que tinham direito. Ela nunca deixava de sorrir ou ser atenciosa, fosse com a minha mãe, com o pingo de gente que eu era, ou com o marido.
Até que um dia eu soube da história de vida deles, soube que a boa senhora fora uma mãe, esposa e dona de casa dedicada, o marido era um advogado bem sucedido que mantinha com o sócio um apartamento para praticar seus rendez-vous com secretárias e mulheres menos ocupadas, e nunca ao longo da vida pesara a mulher para tomar as suas decisões.
Se violência doméstica fez parte da vida deste casal, não sei afirmar, mas não é difícil achar casos naquela geração em que a mulher tenha apanhado do marido, repetidas vezes até. Meus antigos vizinhos sequer fazem parte de uma estatística isolada. Lembro de um grande amigo contando de como seu avô chorava o coração partido cada vez que uma mulher o decepcionava, e a sua avó ficava ao lado dele prestando consolo.
A família, tal qual os românticos retroativos gostam de sonhar, era uma instituição mantida graças aos esforços samuraicos de uma mulher oprimida pelos papéis e — por que não dizer — humilhações impostas por uma sociedade, que pregava que toda a sua realização, fosse pessoal, sexual, afetiva e emocional,  seria feita através do matrimônio. Então me lembro de uma frase de Marx, que dizia que o casamento era a primeira divisão social de classes, em que a mulher era o operariado, e o homem a burguesia.
Pode causar um certo susto o número crescente de divórcios, mas deveria causar alívio também, pois significa que hoje as pessoas só ficam juntas enquanto querem. Casamento e família não são mais feitos de correntes, e sim de laços.
A fagulha desta mudança nasceu dos movimentos de liberação feminista,  que infelizmente — e apesar de tantas conquistas vitais —ainda não venceu a ignorância e o preconceito, e não me refiro a pessoas menos esclarecidas ou mais tradicionais. Eu lembro de um ex-namorado que, me contando da conversa que teve com um colega de faculdade, falou que a liberação feminina foi apenas uma manobra da indústria para conseguir mão-de-obra mais barata, concedendo emprego para mulheres que "estavam a fim", e afunilando o mercado para os homens, consequentemente diminuindo seus salários; não tinha passado de uma grande perda de tempo, afinal ninguém ganhou nada. Esta mesma pessoa foi capaz de dizer que direito de voto às mulheres e a Lei Maria da Penha não significavam avanços na sociedade e na Legislação, afinal só favoreciam as mulheres, não a sociedade.
Sim, podem rir, mas ele não está de todo sozinho nas idéias dele. Afinal, ele conversou isso com um colega de faculdade [ênfase aqui, além do que o grifo é capaz]. A mídia com seus mecanismos formadores de opinião busca criar e sedimentar nas nossas cabeças a imagem de que feministas não passam de mulheres mal-amadas que não depilam o suvaco. Mas a mídia não é a única culpada disso. Fato é que a gente adora um esteriótipo para poder organizar a vida melhor, maconheiro usa dread e vive de camisa do Bob Marley, loiras são burras, feministas são todas lésbicas, gays são todos libertinos, e por aí vai.
A gente —e tem muita mulher nesse bololô —se esquece que se um cara sai pra uma náitch, conhece uma moça bonita, conversam sobre a profissão dela, pede o celular, encontra com ela em um restaurante, racham a conta, seguem para um motel, devem isso àquelas mal-amadas mal-vestidas de pernas peludas e sobrancelhas franzidas por palavras de ordem.
Sem dúvida, a luta é longa, e ainda há muito pela frente. Mas isso não é problema. Todo mundo sabe que quando uma mulher quer de verdade, ela faz e chega lá. Imagina então a força unida de todas?
Mas para que ninguém se esqueça da essência que nos move, peço que deixem Freud um pouco de lado, que em toda a sua vida não nos entendeu, e se lembrem de outro, muito anterior a ele, que teve uma visão clara sobre o outro sexo, Molière bem disse "o desejo de toda mulher é inspirar o amor". E como a gente sabe que esta última palavra não esgota seu sentido na relação um a um, nem na paixão carnal, fica simples, e ainda imenso, compreender nossas almas. Uma amiga disse muito bem sobre o dia de hoje, o melhor presente que uma mulher pode ter é ter homens ao seu lado que lhe deem o devido valor e reconhecimento pela pessoa que somos. Sim, pessoa, antes de tudo iguais em nossa condição de ser humano. Queremos chegar lá, mas nunca sozinhas.
Obrigada, amigas das gerações passadas, graças a vocês, eu posso escrever isso hoje.


2 comentários:

Sarah D. disse...

Gostei, parabéns, me inspirou!

Isa Schulberg disse...

Querida amiga,
Seu texto é inspirador. Parabéns para nós, mulheres, que lutamos diariamente por um espaço ao sol e parabéns principalmente para as mulheres do passado, que tanto fizeram por nós em todos os sentidos. Menos hipocrisia e nós chegaremos lá. Minoria ou não-minoria. ;-)
Beijinhos da Isa.