quarta-feira, maio 23, 2012

Surfista com razão

Em Surfista Prateado: Requiem, o Homem-Aranha, lá pelas tantas não  se contém e questiona o porquê dele ser um surfista, usar uma prancha – coisa que, cá entre nós, não passa muito de uma tábua – enquanto poderia ter uma nave legal, ou até uma Estrela da Morte. Não, Peter Parker não fala da desta última, mas a pergunta é extremamente pertinente porque nós aqui sabemos  que ele poderia ter algo assim ou até melhor, tipo duas Estrelas da Morte. E aí o prateado explica que ele não precisa de ar, água ou comida, por isso se dá ao luxo e ao prazer de cruzar galáxias completamente sem barreiras, livre. Se não fosse pela total ausência de ambos, ele sentiria o vento nos cabelos.
Este trecho da história me veio há alguns dias à mente, não à toa. Eu estava num campo quase selvagem fazendo minha corrida. Diante de mim havia um espaço aberto lindo e amplo, com flores que passavam da altura da minha cintura, e eu lançava meus passos por um estreito caminho de terra batida, percebia insetos saltando enquanto eu passava, vi aves de rapina voando; vi até cachorros correndo felizes entre o mato, dá pra sorrir só de lembrar da cena.
Quem me conhece sabe o quanto gosto de dirigir, aprecio bons motores e as velocidades de três dígitos que podem alcançar. A sensação de sair da região cotidiana, sentir os limites da engenharia, comandar a potência de um mecanismo complexo é inebriante, eu admito.

Mas por outro lado é outra coisa chegar onde quer que seja – ainda que seja só no final da rua – pelos seus passos ou braçadas, nús de combustões ou engrenagens, leves, de fato, ouvindo apenas o ruído compassado dos pulmões trabalhando, sentir que por mais que o plano de saúde tivesse feito uma campanha inteira com a idéia, sim, é verdade, somos máquinas humanas. É indescritível a sensação de olhar a paisagem de perto ao ponto de se integrar a ela, criar o meu próprio vento para refrescar o suor em meu rosto, deixar que meu corpo se movimente tão livremente como ele foi feito. Uma vez, conversando com um amigo, ele disse muito bem "correr só é difícil nos primeiros quilômetros, depois é como se você estivesse voando".
O Surfista estava certo. Hoje, mais do que nunca, me dobro completamente à sua razão. Mas talvez, se por um lado eu o invejo por poder ir muito mais longe do que eu e saborear todo o tipo de paisagem, talvez ele não tem a mesma vantagem que eu por ter orelhas e poder escolher uma musiquinha para enfeitar mais o passeio.

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