sábado, janeiro 23, 2010

Dias de sorrisos, as manhãs


Era de manhã, entre o começo do burburinho dos pardais e o nascer do sol. Ritinha acordou, encolhida na lado direito da cama, como já havia se tornado costume. Sentiu a boca seca e tomou coragem para ir até a garrafa d´água em cima da cômoda ao lado da porta. Sentou-se sobre o colchão, e então seus olhos vasculharam à volta em busca de sua camisola. Foi quando viu o volume sob os lençóis latejando na cadência de uma respiração flúida que se deu conta de porquê havia dormido nua naquela noite. Sem mesmo que ela soubesse, a boca seca sorriu em surdina, dando espaço à sede de seus sentidos pelas formas e cheiros de seu marido. Olhou-o, bastante, percorreu os vincos e as curvas daquele corpo masculino, emagrecido pelo heroísmo da guerra, enquanto começava a ofegar para que aquela sensação lhes enchesse os pulmões.
Com uma mão tímida, descobriu-o levando o percal bordado até o nariz, querendo se lembrar daquele buquê de outros anos. Roçando as narinas, aquele perfume fez com que seus olhos gemessem, para logo em seguida se abrirem mais despertos e famintos, enquanto a outra mão, querendo domar a sua fome, tocou no peito serenado de Olavo. Permitiu-se só as pontas dos dedos, porque o sono de um bravo soldado vitorioso tinha que ser mantido, mas deslizou-as numa lascívia sem cansaço.
E num bote, uma mão segurou-lhe a sua, fazendo com que ela desse um pequeno salto de onde estava. Viu então os olhos do marido abertos, que, ao encontro dos seus, sorriu.
— D-desculpa, não queria te acordar. — repreendeu-se.
— Não tem problema, já que era você.
Ela sorriu toda para ele, e ele a puxou para perto, abraçando-a e tranquilizando-se no seu cheiro e no contato com o seu corpo. Ficaram mudos por um breve momento infindo, conversando através de suas respirações, que foi quebrado por um beijo atrás da orelha.
— Quer água? — ele perguntou sussurando enquanto andava sem roupas pelo quarto.
Ela, ébria de adimirá-lo, respondeu:
— Não, obrigada.
Sorvendo em largos goles, bebeu do copo enquanto observava o filho do padeiro cruzar a rua em suas calças curtas e sua bicicleta. Perguntou-se se aquela era a primeira vez que via o rapazinho andando. Mas este pensamento foi afastado quando notou ser observado.
Gostava de devorar o olhar de Ritinha, que lhe servia como um bálsamo às feridas que a guerra havia imprimido em seu espírito. De seus reluzentes olhos de jabuticaba emoldurados pela cascata negra que lhe escorria pelos ombros, algo lhe dizia que a guerra havia acabado, há um oceano e um mar de outras coisas de distância. E cada vez que ela lhe sorria, ou pedia-lhe para tomar parte em qualquer função doméstica, como untar as dobradiças com óleo ou simplesmente ver parte da farta produção de crochê que ela e sua irmã haviam feito, ele se sentia ainda mais a salvo. Sentia que demoraria muito até ser capaz de responder às perguntas daquelas duas mulheres que lhes eram a nação pela qual lutou e para a qual voltou; naquela casa não cabiam assuntos de guerra ou horrores da batalha. Ali, tudo era luxo, calma e beleza.
Sorriu mais uma das inúmeras vezes naquela manhã e voltou para a cama, em passos lentos, carregando sobre suas bravas pernas toda a insustentável leveza de seu ser.
E foi, mais uma vez, completo e único, junto com Ritinha.

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