terça-feira, fevereiro 09, 2010

Afogando-me

Derretendo hoje aqui de calor, olhei para o meu velho armário lilás, que abriga o meu baú de recordações, e resolvi mergulhar neste oceano vasto de anos atrás em busca de um pequeno tesouro que possuo.
Em 1995, eu fui a um encontro de quadrinhos que teve aqui no Rio. Me meti lá, no meio da Tijuca, mais acompanhando meus amigos do que indo beber de um evento como este. Hoje, que sou cada dia mais seduzida por este universo, vejo que plantei uma semente maravilhosa para o meu futuro. Já naquela época, eu não me arrependi de ter lá marcado presença, tanto que voltei vários dias, até o fim; conheci gente muito legal, terminei descobrindo que eu conhecia um pouco mais do que imaginava e tive o prazer (e a onda!) de ter visto de perto o lendário Jim Lee. Admito que marquei bobeira em não ter pegado um autógrafo seu, mas, em compensação, peguei do Roger Cruz. Meu irmão ficou dizendo que eu devia ter pedido a ele que desenhasse um Gambit para mim, mas eu terminei a discussão dizendo que eu havia recebido algo que ele não tinha: um sorriso do ilustrador, então, eu tinha ganhado mais; e senti minha teoria confirmada quando ele fechou a cara.
Enfim, foi atrás deste pequeno tesouro que fui. Estava lá no fundo do meu baú. Alguns podem dizer que foi uma imprudência não guardar isso entre camadas de vidro blindado grosso, por trás de portas blindadas guarnecidas com um cachorro de três cabeças (ou três cachorros de uma cabeça só) com suas coleiras blindadas, mas o fato é que estava num lugar bem guardado, a salvo. Meus antigos cards de heróis Marvels, por exemplo, parecem ter saído do plástico ontem. E nessas marés dos meus dias idos, sem nem ter dado tempo de outro assunto velho cair na prateleira, lá vou eu falar de tema puído de tão gasto de novo: arrumação de papel. Porque junto com este pedacinho de papel que talvez garanta a faculdade dos meus filhinhos num futuro vindouro, estava toda a sorte de outros papéis, cards, como já sabem, fotos, cartões, cartas com juras de amizade eterna, e todas as outras coisas que o meu baú da recordação é capaz de aceitar. É uma experiência única poder ler cartas, simplesmente cartas, sem qualquer adjetivo, porque ninguém mais hoje escreve cartas a ninguém, e eu tive amizades que eram capazes de sustentar todo o CCT, mas nossas correspondências sempre dispensaram selo postal, pois eram todas entregues em mãos. Fabuloso pensar nisso, escrevíamos não para diminuir distâncias, mas sim para amenizar ausências que logo findariam. E, depois desses anos todos, é uma jornada de auto-conhecimento ler aquelas juras de amizade eterna que não durou muito além do colégio ou ainda ver que alguns dos autores que habitam no seu baú se modernizaram ao ponto de estarem no perfil de sua rede de relacionamentos.
Mas hoje, as coisas mudaram muito. Se meus papéis do passado eu posso espalhar pelo chão do meu quarto, as memórias de hoje são todas construídas num espaço virtual, em que há a necessidade de um aparato imenso e cada vez mais moderno para acessar. E, apesar de toda essa parafernália consumidora de energia, tudo isso, todo esse nosso microcosmos que construímos para lembrar quem somos e de onde viemos é frágil; apagar esses rastros, de forma definitiva, é simples e fácil demais.
Sentada hoje no chão do quarto, tendo todo esse passado entre os dedos, sinto pelas gerações futuras que nunca se encontrarão por acaso com suas histórias, nunca serão surpreendidas por uma maré de papéis que nunca se converterão em lixo. Admito que até tive a sensação de que já fui mais amada, mais querida, e mais amiga. Mas, talvez, seja só impressão.
Devolvendo tudo à antiga morada, esperando um próximo momento em que eu vá, por acaso, visitar lá de novo, comecei a organizar aquele mundinho, separando cartões num canto, por autores, papéis célebres em outro, bugingangas dum outro lado... e desisti. Vi que não dá para organizar uma gavete onde só há recordações, pois quando elas vêm, você é banhado, quase que rebatizado pelo que passou. E quando elas se vão, a água no rosto é real, e a limpeza na alma também.

Um comentário:

Roger Cruz disse...

Oi, Kath.
Seria ótimo se sempre fossemos convidados a visitar blogs de maneira tão simpatica.
E, que bom saber que, neste dia citado, pude retribuir o carinho à altura.
Lindo texto.
E engraçado na medida certa.
Penso que todos temos caixas, gavetas, etc. onde guardamos coisas preciosas. Tenho as minhas caixas aqui com as tais cartas insubstituiveis escritas à mão.

E, vc poderia ter pedido um desenho.
Ultimamente, faço até quando não me pedem. :D
Obrigado pelo link e pelo comentario.
Já compensou um outro desagradável.

Vou tuitar o link para o seu blog.

Beijo,

Roger