quinta-feira, março 24, 2011

Nem tudo é piada

Ao contrário do que posso fazer parecer aqui, Chato-pai não é apenas essa maquininha frenética de pegar no pé e fazer piadas, é uma das minhas maiores fontes de aprendizado, e, apesar de não tomar sempre este enfoque sobre ele aqui, jamais escondi esse fato.
Talvez vocês não se lembrem, mas eu estive fora recentemente, na Argentina, fazendo uma viagem sobre a qual ainda não parei de comentar aqui, essa mesmo. Semana passada estávamos na sala da casa dele, fazendo mais uma parcela dos comentários sobre minha experiência na tierra de los hermanos.
Como já foi dito em alguns posts anteriores, eu fiquei em um hostel. A primeira vista, para quem não conhece, a idéia pode não ser das melhores, a gente pode pensar que se trata de um muquifo, sujo, desorganizado, ainda mais compartilhando banheiro com outras pessoas. E os fatos são bem diferentes disso. O lugar é limpo, organizado, os funcionários são solícitos. Meu quarto, por sua vez, dividia parede com a cozinha do meu andar. Na maior parte do tempo, ela ficou sem o menor movimento, salvo o de pessoas que iam buscar suas garrafas de água dentro da geladeira. Nas duas semanas que fiquei lá, percebi que quando havia algum movimento por ali que quebrava a faixa de som do lugar era de brasileiros. Do meu quarto eu já conseguia ouvir os caras conversando do corredor como se estivessem num vestiário masculino depois de uma partida, falando coisas que eu também não acho que deveriam ser ditas a plenos pulmões. Chato isso, sobretudo porque eles não tinham a menor atenção a horário. Por três vezes eu precisei pedir silêncio na cozinha depois da meia-noite, em todas elas, falei em bom português sem ter a menor dúvida se seria entendida, e duas dessas vezes foram para o mesmo grupo. Sério, chega a dar vergonha. Outra coisa que percebi também que era só durante o tempo que se ouvia falatório mais alto no corredor que o banheiro compartilhado não se encontrava tão arrumado e limpo conforme o cartaz do azulejo pedia. Se no absoluto a coisa não foi bonita, no relativo ela piorou. Porque depois que saíram esses brasileiros de lá, entraram uns japoneses, o que fez a diferença virar um abismo.
O japa, por sua vez, usava a cozinha para fazer seu jantar, e ele viajava todo equipado com sua panela elétrica, seu arroz e tudo mais. O cara tinha um horário de comer bem noturno, meia-noite tava lá o cara na cozinha com a barriga na panela elétrica, às vezes vinha alguém comentar alguma coisa com ele no seu próprio idioma, e fui percebendo que eles conseguiam fazer mais barulho com a porta do armário do que falando. E o banheiro, não importava a hora que ele tinha ido tomar banho, tava sempre um brinco.
Fui também apontando o que havia observado de outros turistas, como os alemães que tentam ao máximo se fazer entender no idioma local, ao contrário dos anglófonos que acham mesmo que basta serem falantes da língua franca do mundo.
Ouvindo essas coisas, meu pai, com sua vivência e percepção aguçada das coisas, comenta:
— Enquanto para o europeu e o japonês educação é um sinal de civilidade, para o brasileiro é sinônimo de subserviência. Brasileiro gosta mais é de ocupar espaço, não colaborar e ainda bater no peito para dizer que tá pagando.
Poucas vezes vi uma síntese tão precisa quanto essa. E, de tão precisa, me envergonha muito.

Um comentário:

Ricardo Artur disse...

Chato-pai foi preciso e certeiro na definição. Infelizmente me envergonha.

Contudo, moro de frente a um albergue e posso garantir que não é exclusividade dos brasileiros. A experiência tem mostrado como os bretões se comportam mal, sem se importar com a vizinhança.