segunda-feira, outubro 24, 2011

O outro lado da parede

Vizinho à casa do futuro sr. Kath, mora um sujeito estranho. Tá, eu sei, vizinho é sempre estranho, mas esse cara vai além. Às vezes passa o dia gritando, vira e mexe dá uma explodida por algum motivo, seja a luz que acabou, seja xingando político. Peraí que essa não conta, aliás, esquizo é aquele que não xinga político nunca. Mas mesmo assim, o cara esbraveja, grita, xinga, e sempre arranja uma razão para isso. Uma vez, inclusive, cruzei com ele no hall do andar. Eu esperava o elevador para descer e ele abriu a porta. Cumprimentei ele com o "bom dia"e um leve sorriso. Ele se esquivou da minha saudação e desceu pelas escadas, falando muito empolgado com alguém, dizendo que precisava ligar para o fulano. Eu até estiquei os olhos para ver se ele estava falando ao celular. Para o meu azar, não. E aí fiquei um tanto aliviada por ele não ter entrado comigo no elevador. Ficar confinada num perímetro pouco maior do que 1m² não é uma maneira legal de começar o dia. E o argumento de que seriam só por 3 andares não salva, acidente de carro não precisa de mais do que 10 segundos. 
Eu preciso confessar, sem lá muito orgulho disso, que às vezes presto atenção nas coisas que ele solta a plenos pulmões do lado de lá da parede. Dá para dar algumas risadas, ainda mais porque ele alterna a ira dele com interações completamente dóceis para seus cachorros. É algo do tipo "morando nessa porra, pagando IPTU caro pra caráleo para ficar faltando luz toda semana... Toma aqui, amorzinho, tá com sede?... Toda semana é essa merda de ficar sem luz!...Isso, lindinha, bebe... Filhos da puta!"
 Não tem como não rir, ainda mais contando que ele vira e mexe gagueja no meio das frases. E eu nem contei que ele tem a voz do Pedro Cardoso. Sério, sem tirar nem por.
Agora há pouco, lá foi ele de novo. Mas desta vez, ele falava ao telefone, se dirigia a uma senhora, e mesmo gritando, chegou a dizer que não estava sendo grosso. De fato, ele não foi. Foi energético, gritou como sempre grita, mas não falou grosserias. Na verdade, aliás, o que ele falou fazia muito sentido, falava o quanto aquela senhora se julgava melhor do que os outros e o quanto o seu discurso era hipócrita e o quanto ela poderia ser surpreendida pelo destino. Tudo verdade, certo?
E aí fiquei ali, ouvindo o que o vizinho doido dizia, pensando que ele, no desquilíbrio dele, é capaz de ter uma percepção tão nítida das coisas e retornar com palavras tão ponderadas. Me fez pensar em nós — ou só vocês — considerados e reconhecidos como sãos, da mesma forma, vivenciando personalidades de cada um, também não é possível alterar do equilibrado para o oposto, assim, sem perceber.

2 comentários:

AlvaroCastroJr disse...

Comento apenas para dizer que adoro sua capacidade de se expressar tão adequadamente. Percebo tudo isso mas nunca conseguiria colocar em palavras! Bj

xistosa, josé torres disse...

No outro lado da parede tenho vizinha... coisa que todos adoramos.
A vizinha adora vizinhos...
Cada um tem os seu deus...
Não a oiço comer, beber, fazer a digestão, a depilação, despir-se...
É o inconveniente de existirem muros (paredes)

Um bom fim de semana.