sexta-feira, outubro 29, 2010

Spoiling

Ouvi outro dia que um dos mineiros chilenos faleceu alguns dias depois de ter sido resgatado. O motivo não lembro bem qual, mas havia sido uma fatalidade, mais do que uma complicação causada pelos dias de confinamento. Uma pena sem o menor consolo. Penso na família dele, após 70 dias de drama público, ter sua maior alegria arrancada desta forma. Não sabemos se o fato de ser uma fatalidade acalenta ou agrava. O que me remete a uma história ocorrida na família da minha professora de francês. Um tio seu havia sido herói da II Guerra, voltou aclamado para encontrar a morte prematura eletrocutado, enquanto fazia algum reparo na tomada de casa, como bom homem que era da sua geração. Para aqueles que acompanham meu Casa há alguma tempo, ou ainda aqueles que são curiosos pelos meus arquivos, a relação não é coincidência. Foi essa a pneuma que deu origem a das minhas séries. Eu havia programado para que fossem 3 capítulos. Escrevi o primeiro, sob o título Dias de, com uma certa avidez pela história; tanto que, poucos dias depois, seguiu-se a sua continuação. Só que após ter aberto o caminho para o final, olhando para dentro do quarto do casal, meus dedos se desarmaram. Curioso sobre criar personagens e narrativas é que — pelo menos em mim, confesso — há uma crença de que aqueles elementos relatados existem ou existiram de fato, de uma forma ou de outra. E então vendo o amor, a paixão e a alegria de Ritinha por Olavo que, por sua vez, encontrou o asilo pátrio nos olhos da esposa, eu não tive coragem de matá-lo, de separá-los mais uma vez. Confessar mais isso me coloca numa posição curiosa — a qual vocês podem dizer ser mesmo engraçada —, não me sinto diferente daquele louco que contava piadas para si mesmo e caia de rir quando desconhecia alguma. Mas fazer o quê?
Hoje, resolvi encerrar a série, começando por alterar título, que sempre cri insuficiente, e agora entendo o porquê. Sob o nome definitivo, fica mais fácil e coerente dar o final que julgo merecido. Falando em dias de sorrisos, como apagá-los ou murchá-los às lágrimas de uma dor perene?
Com tudo isso em mente, penso ainda que aqueles que empunham a caneta ou cavam as teclas, comumente, são dotados de um certo idealismo utópico — que me soa um pleonasmo vicioso — ao tentarem conceder alguma justiça, ou ainda redenção, ao mundo, recriando ou revestindo alguns fatos. Naturalmente, que esta propriedade está sempre subordinada ao senso de justiça ou critério de valores dos referidos agentes, como já falei anteriormente, mas isso também não é o ponto de toda a questão. A questão é que, pelo menos no meu Casa, lugar onde escolho botar as melhores coisas que posso, Olavo não vai envelhecer. Viverá perpetuamente para exercer este amor pela moça prendada que conheceu nos tempos de colégio, melhor amiga da sua irmã querida; nunca irá se esquecer da tarde em que tomou toda a coragem do mundo para convidá-la a tomar um sorvete, depois da missa, porque não resistiu aos encantos daqueles cabelos ornados com a fita lilás que fizera Wilma dar-lhe de presente; guardará para sempre no peito que foi essa coragem a semente para se tornar o herói de guerra e resistir à fúria de uma época e à distância de um oceano para voltar para casa, vitorioso que era de viver aquele amor tão encantado, irreal e feito para ser.

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